Aparecida Evaristo: Grito no escuro

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2 de junho de 2016

CidaA falta de políticas sociais e educativas resulta no abandono de uma sociedade, que adoece a cada dia com o aumento da violência e o descaso pela vida humana. Todos os dias, crianças e jovens da periferia e das classes mais abastadas são recrutados para compor uma legião de zumbis, que ao enveredarem pelo caminho das drogas perdem a identidade, o respeito e a vontade de seguir em frente. Esse descaso do governo com a população acaba gerando crimes bárbaros, como o estupro coletivo de uma jovem de 16 anos, numa comunidade na Cidade do Rio de Janeiro.

O caso, que chocou o país e o mundo, serviu para mostrar o quanto a sociedade está adoecida e vestida de valores morais embrutecidos. Trouxe à tona também o desamparo e a desestruturação familiar. Os conceitos são criados pelo Estado e seguidos pela sociedade. Mas se esse Estado é vítima de salteadores, como exigir do povo uma conduta diferente? Essa brincadeira autoritária e perversa causa danos irreparáveis a toda a sociedade. É preciso dar um basta nesse abuso e terror que atormentam as nossas almas.

A degradação social vai gerando seres cada vez mais insensíveis à vida. A moral exaltada por alguns é imoral e tem como único objetivo tornar a sociedade servil, refém do poder. Assim aconteceu com a jovem estuprada, achincalhada e ameaçada em praça pública, como ocorria na Idade Média com a caça às bruxas. Violaram seu corpo e roubaram-lhe os direitos.

É tão doentio que um dos suspeitos diz: “Foi coisa instintiva”. Assim como na época pré-histórica, era tudo instinto puro. O homem ainda não estava depurado, socializado e lutava como animal para sobreviver.

Nesse quadro tenebroso ecoa um grito no escuro que faz tremer e refletir toda a sociedade. Imputar sobre a vítima a culpa é a forma mais cruel de coerção. É preciso repensar a organização política e social do país para resgatar os valores essenciais à vida: respeito, igualdade de direitos e dignidade. A solidariedade, elo essencial que liga todos os homens e mulheres como membros do gênero humano, é o caminho para a grande transformação. Se aproveitar da desgraça alheia é oportunismo político. É manter tudo como está.

Aparecida Evaristo 
Secretária da Mulher da Força Sindical do Estado do Rio de Janeiro 

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